Conheça a história da música sertaneja
Descubra a jornada emocionante da música sertaneja: de raízes rurais a influências globais, uma fusão que molda a alma do Brasil
A música sertaneja é uma expressão autêntica da cultura brasileira, refletindo as nuances da alma do povo e a profundidade de suas raízes rurais. Como um dos gêneros mais apreciados e influentes do país, ela narra a jornada da vida no campo, marcada pela lida com a terra e pelas tradições que definem a identidade cultural nacional. Originária das melodias e ritmos trazidos pelos imigrantes europeus, e entrelaçada com as sonoridades nativas, a música sertaneja emergiu como voz dos sentimentos e anseios dos trabalhadores rurais, ganhando destaque nas rodas de viola e nas festas juninas espalhadas pelo interior. A arte sertaneja se desenvolveu a partir dessas influências, tornando-se um espelho das transformações sociais e um registro das memórias de um povo que vê na música não só entretenimento, mas o reflexo de sua própria história.
As origens históricas da música sertaneja no Brasil se confundem com a própria formação cultural do interior do país, especialmente no vasto e diversificado cenário rural. Em suas raízes, o gênero é o resultado de uma rica mescla cultural entre as tradições trazidas pelos colonizadores europeus, sobretudo os portugueses, e a influência dos ritmos indígenas e africanos, que permeavam a sociedade brasileira desde o período colonial.
Os imigrantes portugueses, italianos e espanhóis trouxeram consigo não somente suas esperanças e sonhos, mas também sua música folclórica. A viola, peça-chave do sertanejo, é uma herança desses povos, adaptada e reinventada no Brasil rural. O instrumento, com seu timbre peculiar e sua capacidade de evocar a simplicidade da vida no campo, tornou-se símbolo e companheira fiel dos músicos sertanejos. Através de suas dez cordas, ecoavam as narrativas de amor, saudade, trabalho e fé – temas recorrentes que se tornaram sinônimos do sertanejo raiz.
O início do século XX testemunhou a ascensão dos primeiros ícones do gênero. O multiartista Cornélio Pires, considerado um dos pioneiros da música sertaneja, desempenhou um papel crucial ao lançar, em 2010, o livro “Musa caipira”, onde compilou poesias no dialeto típico do interior paulista. A autenticidade de sua obra e de suas gravações inaugurou um espaço para que a voz do campo fosse ouvida em toda a sua essência.
A gravação de “Jorginho do Sertão” por Cornélio Pires em 1929 marcou a primeira moda de viola a alcançar reconhecimento nacional, pavimentando o caminho para outros artistas do estilo. Outras figuras emblemáticas do período incluem as duplas Alvarenga e Ranchinho, conhecidos por suas críticas sociais com humor ácido, que chegaram a ser presos por suas canções satíricas, como a “Liga dos bichos”.
Com o passar das décadas, duplas como Tonico e Tinoco e Zé Carreiro e Carreirinho começaram a formar a identidade do que viria a ser conhecido como sertanejo raiz, marcado pela sua sonoridade única e letras que falavam diretamente ao coração do povo do campo. A moda de viola, em particular, revelou-se um estilo de música narrativa que contava “causos” e histórias do cotidiano rural, ressoando fortemente com a vida dos trabalhadores das fazendas e das pequenas cidades do interior brasileiro.
Estes primeiros ícones sertanejos não apenas definiram um gênero musical, mas também se tornaram a voz de uma identidade cultural profundamente enraizada na vida rural brasileira. Eles moldaram um legado que ultrapassaria gerações, estabelecendo o sertanejo como uma das mais autênticas e duradouras expressões musicais do Brasil.
A Era de Ouro do Sertanejo foi decisivamente marcada pela ascensão de duplas que imprimiram na alma brasileira as melodias e narrativas do interior. Entre as primeiras a ganhar notoriedade, Tonico e Tinoco emergiram como ícones, com sua obra-prima “Chico Mineiro”, que não apenas captou a essência do sertanejo raiz, mas também estabeleceu um padrão para as temáticas abordadas nas composições sertanejas. As letras retratavam com frequência a vida rural, descrevendo a rotina do homem do campo, seus amores, desafios e a profunda ligação com a terra.
Outras parcerias, como Zé Carreiro e Carreirinho, também pavimentaram o caminho para que o sertanejo ganhasse corpo e voz nas ondas do rádio, permitindo que o som dos violões e das violas alcançasse cada vez mais ouvintes. Este período viu nascer clássicos como “Rio de Lágrimas” e “Cuitelinho”, músicas que se tornaram parte do cancioneiro popular brasileiro e evidenciaram a identidade cultural da música do campo.
A relação das duplas com o público rural era de cumplicidade e autenticidade, pois compartilhavam as mesmas vivências e valores. As rádios, meio de comunicação mais acessível na época, foram fundamentais para a popularização do estilo, principalmente em programas dedicados exclusivamente ao gênero, onde o público podia não apenas ouvir suas canções preferidas, mas também se ver representado através dos “causos” e narrativas cantadas.
Com a popularização do estilo nas rádios, essas duplas sertanejas não apenas criaram uma base sólida para a expansão do gênero, mas também ajudaram a formar um elo inquebrável entre a música e a identidade nacional brasileira. Através de suas vozes, a alma do sertão ecoava, fortalecendo a conexão entre o campo e a cidade e preparando o terreno para o advento de novas fases e transformações da música sertaneja.
As transformações sociais do Brasil desempenharam um papel crucial na metamorfose da música sertaneja, culminando na criação e propagação do subgênero conhecido como ‘Sertanejo universitário’. Este fenômeno pode ser atrelado ao processo de urbanização que o país vivenciou, especialmente a partir da segunda metade do século XX. O êxodo rural foi intensificado, com muitas famílias migrando do campo para a cidade em busca de melhores condições de vida e oportunidades de trabalho. Esse movimento migratório não apenas alterou a demografia do Brasil, mas também redefiniu as expressões culturais, inclusive a música.
Enquanto o sertanejo raiz refletia a simplicidade da vida rural, o ‘Sertanejo universitário’ emergiu como um reflexo das aspirações, estilos de vida e relacionamentos da juventude urbana. As novas temáticas das músicas foram além das narrativas tradicionais de trabalho na terra e do amor não correspondido. Passaram a incluir histórias sobre festas, relacionamentos modernos, a vivência universitária e a celebração da juventude. Essas mudanças se alinhavam com o perfil do novo público: jovens que, embora possam ter tido laços com o campo, viviam uma realidade urbana e conectada.
O formato das músicas também mudou. As melodias ficaram mais rápidas e dançantes, os refrões, contagiantes e fáceis de memorizar, foram desenhados para ressoar em casas noturnas e festas universitárias. O uso de guitarras elétricas e elementos de produção mais contemporâneos evidenciaram a modernização do gênero. A inclusão de novos instrumentos e técnicas de produção musical contribuiu para tornar o sertanejo mais atrativo para as massas urbanas e palatável para os ouvintes de rádio e televisão.
Artistas e duplas sertanejas dessa nova onda passaram a dominar as paradas de sucesso e a ocupar espaço na programação de grandes emissoras, resultando em uma proliferação sem precedentes do gênero nas mídias. O ‘Sertanejo universitário’ se tornou uma força comercial, impulsionado pela capacidade dos artistas de se comunicarem diretamente com um público mais jovem e urbano. Ademais, a utilização de plataformas digitais e redes sociais para promover músicas e eventos ampliou o alcance desses artistas, tornando o sertanejo ainda mais acessível e popular entre diversas faixas etárias.
Esta evolução do sertanejo não significou um abandono de suas raízes, mas sim uma adaptação às novas realidades sociais do Brasil. A música reflete, assim, não apenas a história e a tradição, mas também as contínuas mudanças nas estruturas sociais do país. O sertanejo universitário soube abraçar e expressar essas transformações, assegurando assim sua relevância e sua continuidade na paisagem musical brasileira.
A música sertaneja, com seu apelo atemporal, tem se tornado um território fértil para a fusão com outros gêneros musicais. Esta abertura para o ecletismo musical desdobra-se em parcerias improváveis e inovações sonoras que renovam e expandem as fronteiras do estilo. No centro desse fenômeno está o conceito de collab (colaboração), que promove encontros entre artistas de mundos aparentemente distintos para criar faixas inéditas que galvanizam os diferentes públicos.
Um exemplo memorável dessa tendência é a parceria entre Anitta, ícone do pop nacional, e a dupla sertaneja Matheus & Kauan na música “Ao Vivo e a Cores”. Este encontro musical proporcionou uma ponte entre os fãs do sertanejo e do pop urbano. Da mesma forma, o sertanejo cruzou fronteiras internacionais com a mistura entre Michel Teló e o cantor latino Prince Royce na música “Te Dar Um Beijo”, que mesclou elementos da bachata com o ritmo sertanejo.
A presença do eletrônico também não é novidade no universo sertanejo. DJs como Alok, de renome internacional, contribuíram para tal dinâmica com remixes de hits sertanejos e participações em faixas como “Paga de Solteiro Feliz”, lançada em parceria com Simone & Simaria. A influência da música eletrônica não só atualiza o som sertanejo como também o torna mais familiar para os aficionados por festivais e baladas eletrônicas.
Outro gênero que tem se entrelaçado com o sertanejo é o forró, representado por figuras como Wesley Safadão que, em parcerias com Matheus & Kauan e Jorge & Mateus, aproxima as sonoridades nordestinas do sertanejo, criando híbridos culturais que ressoam tanto em festas juninas quanto em baladas sertanejas.
Essas fusões, além de trazerem novos públicos, revitalizam o repertório sertanejo, ampliando sua expressividade e relevância no cenário musical contemporâneo. O resultado é um sertanejo renovado, mantendo a narrativa emocional tradicional, mas vestido com arranjos que abraçam a diversidade e o dinamismo da música atual. Assim, a música sertaneja se mantém como um espelho da sociedade, refletindo não só a tradição, mas também a capacidade de se renovar e dialogar com o novo.
Observando o horizonte da música sertaneja, é possível discernir um futuro promissor e inovador. As tendências de mercado sinalizam que o gênero está longe de estagnar-se, pois sua capacidade de se reinventar é um dos seus maiores trunfos. As parcerias estratégicas entre artistas de diferentes gêneros, a fusão de elementos tradicionais com ritmos contemporâneos e a exploração de novos temas nas letras das músicas são indicadores de que o sertanejo continuará a resonar tanto com audiências maduras quanto com a juventude.
As plataformas digitais têm desempenhado um papel crucial na difusão da música sertaneja, democratizando o acesso e potencializando o alcance do gênero. Com a ascensão de serviços de streaming, playlists personalizadas e redes sociais, artistas sertanejos encontram-se equipados para conquistar não só o público brasileiro, mas também mercados internacionais. Estas plataformas digitais também são ferramentas poderosas para que novos talentos possam emergir, desafiando a hegemonia das grandes gravadoras e promovendo um campo mais diversificado e competitivo.
O potencial de inovação da música sertaneja parece inesgotável. O emprego de recursos tecnológicos avançados, como a produção musical de alta qualidade e o uso de vídeos criativos para divulgação nas mídias, estão se tornando a norma. Além disso, a presença cada vez mais frequente de elementos visuais e performáticos nos shows ao vivo aponta para uma experiência musical que transcende o áudio e se torna multisensorial.
Ao mesmo tempo, preservar as raízes é um aspecto que os artistas e o público valorizam. A autenticidade da narrativa sertaneja, que evoca a simplicidade e os valores do campo, ainda é um pilar fundamental da identidade do gênero. A música sertaneja, por mais que flerte com a inovação, não parece disposta a sacrificar sua essência para se adequar às tendências passageiras. É essa conexão com a tradição que permite ao sertanejo renovar-se, mantendo-se fiel à sua origem enquanto abraça o futuro.